Essa história de solidariedade e de amor é contada no Líbano, um pedaço do Oriente Médio, banhado pelo Mar Mediterrâneo. Foi de lá que saíram os avós do médico Aref Muhedinne. Foram acolhidos no Brasil, como milhões de libaneses expulsos pela guerra, pela miséria e pelos conflitos religiosos.
Aref, médico radioterapeuta, queria diminuir o sofrimento no mundo. Há um ano, ele criou o projeto Moça Bonita. “Esse projeto foca mulheres jovens com câncer, onde elas precisam ter uma assistência um pouco maior. E buscamos justamente o quê? Salvar vidas”, conta Aref.
Agora, o neto de libaneses faz o caminho de volta, com a missão de levar assistência ao país de seus antepassados. A ideia é retribuir com generosidade tudo que o Brasil fez pelos libaneses. O alvo eram mulheres brasileiras que moram no Líbano e que não têm acesso à saúde por questões financeiras, religiosas, ou por não falar o árabe. Mas, em um país que se tornou destino de tantos estrangeiros, muito mais gente precisava do Moça Bonita.
O trabalho reuniu especialistas em câncer e cirurgia plástica de reconstrução, brasileiros e libaneses. Todos voluntários. Um exame atrás do outro, com olhares atenciosos.
O atendimento de graça atraiu brasileiras e também um grupo de refugiadas. A iraquiana Afifa não vai ao médico há dez anos. É caro demais, ela diz.
A síria Yosra, viúva, está com hemorragia há seis meses. Ela reza e chora por medo de ter câncer e deixar os seis filhos sozinhos.
Maliha conta que há mais de 14 anos foi orientada por um médico sírio a só tirar um tumor da mama depois do casamento. Poderia ser rejeitada por causa da cicatriz.
Kadija explica que os hospitais libaneses têm preconceito com os refugiados e negam atendimento.
Lu Braga tinha câncer de tireoide. No começo, ela era só a primeira moça bonita do projeto, mas os dois se apaixonaram. Agora acompanha no Líbano mulheres que quebraram a barreira do preconceito
“Muçulmanas, cristãs, drusas, todas. Todas elas diziam: ‘eu preciso de ajuda’. E isso foi muito bonito, muito gratificante”, conta Lu Braga.
De Beirute para o interior do país. O Vale do Beqaa, a região mais importante da agricultura e onde estão as maiores comunidades de brasileiros. Esse lugar contribui para que o Líbano tenha um dos maiores índices de câncer de mama do mundo.
São 85 casos em cada 100 mil mulheres. No Brasil são 65 para cada 100 mil. O cigarro é uma das causas. No Líbano, as mulheres começam a fumar aos 12, 13 anos de idade.
Na fila de brasileiras, olhares apreensivos. “Eu nunca fui ao médico aqui no Líbano”, conta a costureira brasileira Zanubia. “É por falta de dinheiro mesmo. Porque quando você tem documento brasileiro, é tudo mais caro”, completa.
É a situação da maioria. Mas há outras questões. “Têm homens que não gostam. Por ciúmes ou por não ter condição”, diz a dona de casa Lâmia.
A doceira Mimo já teve câncer. Vai ter o seio reconstruído pelos médicos brasileiros. “Muita gente tem vergonha de dizer que teve câncer, de dizer: ‘eu não tenho peito’. E o projeto está mostrando que não. Vamos mostrar que é assim, que isso acontece com você, acontece comigo, acontece com a vizinha”, explica Mimo.
Mas se não dá para ir aonde os médicos estão, eles vão a qualquer lugar. Em um campo de refugiados sírios vivem pessoas que não existem, oficialmente, para o governo do Líbano. Principalmente para a saúde. Lá, o projeto dos médicos que era só para mulheres, se estende e atende a todos que têm necessidade.
Nos pequenos barracos de lona, famílias em situação precária. Além de assistência humanitária, os médicos trazem comida. As mulheres idosas são cuidadas com carinho. No colo da mãe, o filho com paralisia cerebral e, como quase todas as outras crianças, tem desnutrição.
“Apesar do governo do Líbano tentar muitas vezes ajudar a essas pessoas, é difícil. A gente tá falando de um país com uma economia muito pequena, que passa por uma crise interna muito expressiva. A população mais carente não tem acesso à saúde de qualidade. Então os refugiados, ou mesmo os brasileiros que não se adequam muito às lógicas normativas, estão sem visto às vezes, eles não têm acesso à isso e ficam sim à mercê de às vezes de ajuda, de caridade”, conta o professor da UFRJ Fernando Brancoli.
A equipe brasileira atendeu mil pessoas, de norte a sul do Líbano em uma semana. “Sempre é possível. Salvar vidas é algo realmente contagiante”, afirma Aref.
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